A ação administrativa foi movida assim que o Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) teve conhecimento dos termos do edital que, entre outros itens questionáveis, oferece o desrespeitoso patamar salarial para os cargos de médico: R$ 970,69, para jornada semanal de vinte horas. Confira abaixo a íntegra da ação.

Ao
MUNICÍPIO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM

SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
COMISSÃO ORGANIZADORA DO PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO – SEMUS N.º 01/2017

REF.: PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO – SEMUS Nº 01/2017

Prezados Senhores,

O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – CRM/ES, Autarquia Federal, criado pelo Decreto-Lei n° 7.955, de 03 de setembro de 1945 e reorganizada pela Lei n° 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n° 44.045, de 19 de julho de 1958, inscrito no CNPJ/MF sob o n° 31.300.999/0001-18, com sede no endereço constante do rodapé, na capital de Vitória-ES, vem, à presença de Vossa Excelência da ilustre comissão organizadora do processo seletivo suso referenciado, apresentar, com fundamento art. 5º, inciso XXXIV, letra “a”, da Constituição Federal, além de Princípios importantes do Estado Democrático de Direito como o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa previsto no art. 5º, incisos LIV e LV, e, analogicamente, com espeque no § 2º do art. 41 da Lei nº 8.666/93, tempestivamente, interpor esta IMPUGNAÇÃO ao edital apresentado por esta Administração, levando em consideração o ordenamento jurídico vigente no país e o disposto no artigo 5º, e seguintes da Lei nº 3.999/61.

DOS FATOS

1. A SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM em conjunto com a Comissão Organizadora do Processo Seletivo Simplificado – SEMUS nº 01/2017, abriram as inscrições para o processo seletivo antes referenciado e que visa o preenchimento de 331 (trezentos e trinta e uma) vagas, para 31 (trinta e uma) áreas, sendo quase 90 (noventa) vagas apenas para médicos.

2. O IMPUGNANTE, contudo, ao tomar conhecimento dos termos do edital que ora se impugna, teve conhecimento do desrespeitoso patamar salarial aventado para os cargos de médico, – espantosos R$970,69 (novecentos e setenta reais e sessenta e nove centavos) para uma jornada semanal de vinte horas –, olvidando não apenas do sacrifício experimentado pelo profissional em seu processo de formação, mas também pelas nem sempre ideais condições de trabalho a que acabam submetidos, sem contar com o nível de responsabilidade e pressão a que estão expostos, o que desmerece e desqualifica tão nobre profissão.

3. Contudo, a despeito de roubar a dignidade profissional médico, vilipendiando as mais comezinhas regras de remuneração de pessoal (grau de qualificação e responsabilidade, nível de escolaridade, dentre outros), e, destarte, inviabilizando, com isso, postulados constitucionais que visam preservar um mínimo existencial para todos os trabalhadores, dignificando-os por meio da remuneração, depara-se esta Autarquia Fiscalizadora do Exercício Profissional com uma outra discrepante e flagrante ilegalidade ao fugir do piso previsto para a categoria previsto na Legislação Federal, isto é, na Lei nº 3.999/61, sem falar, é claro, no piso previsto pela Federação Nacional dos Médicos (FENAM), que hoje calcula o piso remuneratório em R$13.847,93 (treze mil, oitocentos e quarenta e sete reais e noventa e três centavos).

4. E, ainda que desconsiderado o piso previsto pela FENAM, não se pode fechar os olhos ao imperativo legal veiculado pela referida normativa, isto é, pela Lei nº 3.999/61, a qual é bem enfática em estabelecer que o salário mínimo do médico NUNCA poderá ser inferior a três vezes o valor do salário mínimo. Senão vejamos:

Art 5º Fica fixado o salário-mínimo dos médicos em quantia igual a três vezes e o dos auxiliares a duas vezes mais o salário-mínimo comum das regiões ou sub-regiões em que exercerem a profissão.

5. Na mesma linha da FENAM, e ratificando a desproporcionalidade do valor da remuneração apresentada pelo edital aqui confrontado, tem-se que os médicos oriundos do PROVAB e do Mais Médicos, para desempenhar, em algumas vezes, as mesmas funções, seja em torno de R$11 mil.

6. Não obstante a isso, há, outrossim, no Senado Federal, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 316/2014, que tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Segundo o projeto, de autoria do ex-senador Paulo Davim, a duração normal da jornada será de quatro horas diárias ou vinte semanais, salvo outra solução definida em acordo ou convenção coletiva. Para essa jornada, os profissionais terão direito a piso salarial correspondente a R$ 10.991,19 (dez mil, novecentos e noventa e um reais e noventa e um centavos) mensais, projeto que aguarda votação, que regularia a matéria em tela.

7. Assim, resta evidente que, dentro de todos os parâmetros aqui invocados e listados, não possa de maneira alguma prevalecer a remuneração estabelecida pelo edital em evidência, pois esta é vil, desrespeitosa, infringente ao Texto da Constituição da República, porquanto viole o princípio da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e razoabilidade, desconsiderando também os arts. 6º, 7º e, como visto linhas acima o art. 39, §1º e incisos I, II e III.

8. De mais a mais o Código de Ética Médica, em seu Capítulo I, item III é claro ao dispor que “III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.”. Além disso, no Capítulo II, que trata dos direitos dos médicos também encontramos disposições que autorizam o médico, inclusive a suspensder suas atividades quando for indignamente remunerado, como também reforçando o direito s ser remunerado dignamente, senão vejamos:

V – Suspender suas atividades, individualmente ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não o remunerar digna e justamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.

X– Estabelecer seus honorários de forma justa e digna.

9. Com efeito, em que pese o interesse do Município e o escopo do certame seja o de garantir o acesso à saúde aos cidadãos, não é possível ultrapassar os limites legais/constitucionais previamente estabelecidos no que diz respeito à remuneração profissional de forma digna e satisfatório, sob pena de curvar-se ao Maquiavelismo dos fins justificando os meios e por consequência predando a Legalidade e toda uma gama de princípios e garantias fundamentais que também socorrem o médico.

10. Sendo assim, considerando a flagrante ilegalidade / inconstitucionalidade do edital objeto da presente impugnação, ausente qualquer legislação válida que o sustente, não há razões para delongar a manutenção da previsão de remuneração tão vil que, pelas razões acima, ainda que concisas, são clara, pontuais e objetivas quanto a sua insustentabilidade.

11. Neste aspecto não é ocioso relembrar ao Administrador Público que é defeso a prática de contratos cujo objeto seja ilegal ou não absorvido pelo ordenamento jurídico vigente.

12. Nestes termos, requer a IMPUGNAÇÃO da cláusula do Processo Seletivo nº 01/2017, que prevê a tão malquista e indesejada remuneração para o cargo de médico do Município de Cachoeiro de Itapemirim, de forma que esta possa ser recalculada seja levando os pisos remuneratórios da FENAM, PROVAB, MAIS MÉDICOS, seja observando o regramento insculpido pela Lei nº 3.999/61, que representa o mínimo existencial admitido, como parâmetro legal, para uma remuneração médica.

Nestes termos,
Pede deferimento.

Vitória/ES, 21 de Junho de 2017.

CARLOS MAGNO PRETTI DALAPICOLA
Presidente do CRM-ES

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