Recentemente, um caso de transfusão de sangue chamou a atenção da classe médica no Espírito Santo. Uma gestante, após o parto, teve complicações que levaram à necessidade do procedimento. No entanto, ela se recusou a passar pela transfusão por questões religiosas. A paciente é da religião Testemunha de Jeová.

A equipe médica adotou todos os procedimentos cabíveis para evitar a transfusão, mas o quadro se agravou, sendo essa a única alternativa. Devido à recusa da paciente e seus familiares, o caso foi levado à Justiça que, por força de liminar, determinou a transfusão. O procedimento foi realizado com a presença da polícia para evitar um possível confronto. A paciente recebeu quatro bolsas de sangue.

O Conselho de Medicina respeita todas as religiões e crenças e orienta a classe médica a adotar todos os procedimentos cabíveis para atender às necessidades do paciente. No entanto, essas necessidades não podem colocar em risco a vida de ninguém.

O Código de Ética Médica, em seu Capítulo V, estabelece que é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. E vai além, punirá o profissional que deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Dessa forma, o médico não precisa recorrer à Justiça para realizar transfusão de sangue ou outro procedimento necessário para salvar a vida de um paciente. Mas o respaldo judicial é sempre bem-vindo e representa uma segurança a mais para o profissional responsável pelo procedimento. Após a transfusão, realizada sem intercorrências, mãe e bebê passam bem e voltaram para casa.

Poucos dias após esses acontecimentos, participei junto com o professor universitário especialista em Teologia, Vitor Nunes Rosa, de um debate sobre o tema. O professor fez esclarecimentos que julgo de fundamental importância divulgar. Segundo ele, os motivos que levam os membros da religião Testemunhas de Jeová a não receberem transfusão de sangue têm como base a concepção do Antigo Testamento, que coloca o sangue como princípio da vida. Por essa fundamentação, não é permitido receber o sangue de outro ser vivo, pois seria o mesmo que tomar a vida de outro.

O professor também acrescenta que possivelmente a Testemunha de Jeová que recebeu o sangue, mesmo que por cumprimento judicial, poderá se sentir emocionalmente abalada. “Para ela, do ponto de vista pessoal, representa um grande dano moral no sentido de desrespeitar suas convicções religiosas”, acrescentou o especialista em Teologia.

Estudo fundamentalista

Ainda durante o debate, Vitor Nunes Rosa chamou a atenção para a questão do estudo fundamentalista da Bíblia e a importância da decisão da equipe médica do ponto de vista da Bioética.

De acordo com ele, essa convicção religiosa se ampara em estudos fundamentalistas da Bíblia, que considera tão somente uma das formas de interpretação dos textos sagrados, partindo do princípio de que a inerrância da Palavra de Deus está no conteúdo do texto em si, ou seja, nas próprias palavras.

No que diz respeito à atitude da equipe médica, o professor de Teologia disse que, nesse caso concreto, considerando as limitações dos estudos fundamentalistas que produziram a convicção da paciente, a decisão da equipe médica condiz com princípios fundamentais da Bioética, que priorizam a vida como valor fundante, tendo em vista que os procedimentos adotados visam à promoção do máximo bem ao maior número de pessoas.

Lamento profundamente esses conflitos religiosos com a prática da medicina e, assim como o professor de Teologia, respeito o pensamento e o sentimento dessa família. Espero que todos superem esse possível trauma e compreendam que pelo Código de Ética Médica, pelas leis brasileiras e, acima de tudo, pelo direito à vida, não podemos compactuar com decisões que colocam em risco a vida de um ser humano.

Severino Dantas Filho
Conselheiro-Presidente do CRM-ES

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